segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Crença

Não fiz primeira comunhão,
mas já cantei em um coral na igreja.

Na infância, não quis aprender a rezar,
mas já pedi a Deus paciência.

Ganhei uma bíblia, mas nunca tive paciência de ler. Quando me vi em apuros, chorei e perguntei aos céus por quê.

Dei três pulinhos e pedi a São Longuinho.

Fui em velórios e participei de missas de casamentos, sétimo dia....pulei três ondinhas no ano novo.

Acendi velas na areia. Disse “Graças a Deus” e “Se Deus quiser”.
Desviei da entrega na encruzilhada e balbuciei “Salve”.

Fui na festa de São João, comi churrasco e tomei vinho quente. No Natal, acreditei no Papai Noel,
mas nunca vi Jesus.

Na páscoa, já encontrei o coelhinho,
mas nunca ninguém ressuscitou.

Já quis agradecer a Santo Expedito,
mas nunca pedi nada a ele.

Nunca aprendi a gritar “Truco ladrão!”.

Me batizaram e batizei meu filho,
mas até hoje me pergunto por que?

Não pintei os santos e meu cachorro morreu.
Meu gato sumiu e meu pai também.

Roubaram a minha crença e o meu fusca. Chatiei.
A paciência sempre volta, dei três pulinhos e acendi o incenso no altar.

Penso como não sentir frio em dias gelados e ainda sim vestir saia.
Valorizo conseguir a não se render as tentações da moda e ainda não cortar os cabelos.

Gosto de tomar sol na praia usando biquíni.

Casei e fiz promessas.
Pequei e vesti branco.

Não me ensinaram o que é o pecado,
mas ainda sei que já o fiz. No meu enterro quero bexigas coloridas.

Não usei preto no enterro, não abracei o cadáver,
mas chorei a sua ausência.

Não mandei flores,
mas dei abraços sinceros.

Meu pé de feijão no copinho de café murchou, meu peixe pulou do aquário e minha cachorra foi atropelada. Minha tartaruga sumiu.

Puxei as folhinhas das costas das formiguinhas e senti prazer em ver a lesma derreter no sal.

Disse “eu te amo” a muitas pessoas,
mas ainda me indago sobre o que é o amor.

Tive medo do escuro por saber que nunca estaria sozinha.

Já desejei o mal, mas fiz o bem. Nem tudo que é bom, me faz bem.

Descobri a vida, quando conheci a morte.

Fiz o desejo quando achei ter visto o cometa,
mas não me lembro se realizou.

Joguei meus dentes no telhado, tenho outros na gaveta e ainda guardo uns na boca.
Mastigo o chiclete,
mas sempre escovo os dentes.

Acendo a luz quando está escuro e desejo o escuro quando está claro.

Tenho buda na sala e uma cruz no guarda-roupas. Limpei o chão com sal e coloquei um galho de arruda debaixo do colchão. Tenho um anjo no criado mudo.

Briguei na escola,
mas senti dó em ter que agredir.

Judiei do filhote de rato na gaveta do arquivo e chorei quando deram a minha bicicleta.

Senti frio nos pés usando sapatos e suaram quando descalços.
Tomei cerveja na quaresma. Dancei no carnaval.

Aproveitei a vela quando acabou a energia e agradeci meus dias.
Joguei perfume.