Ainda gosto de lamber a camada espessa que fica na tampinha do iogurte. De amassar os últimos grãos de arroz do prato até que entrem pelos vãos dos dentes do garfo. De cortar as pontas dos cabelos quando fico irritada. De estralar os dedos dos pés antes de pôr os sapatos. De sentir os pequenos chumaços de cabelo deslizando entre meus dedos enquanto estou impaciente e pensativa. De espirrar pelo menos três vezes todas as manhãs ao acordar. De estralar os ossos das costas ao deitar. De chorar o choro contido quando vejo alguém chorando, de compartilhar a dor que não sinto. De rir quando lembro das quedas no pátio da escola ou no meio da sala de aula. Gosto de ver a tolha passando e levando as gotas de água que ficam sobre a minha pele depois do banho. De tentar entender as pessoas pelo modo de vestir, andar, falar e escrever. De cansar de mim e pegar no sono. De me perder no excesso de informação das lojas de R$ 1,99. De espirrar com o cheiro de naftalina do guarda-roupa da minha avó. De ver o desenho do tronco das árvores a procura da luz do sol. De ficar pensando sobre o pensamento que os animais podem ter. De ver os olhos brilhantes de uma criança, aquele brilho de quem ainda se facina com o mundo. Das dobras do rosto da minha avó. De ouvi-la cantar. Da sensação do pano frio e molhado em minha testa quando tenho febre. Das linhas que ficam desenhadas no céu quando passa um avião. Das ruas coloridas quando caem as flores das árvores. De pisar em folhas secas. De correr atrás das pombas. Da dor que ficam nos músculos depois de um dia de muito exercício. De ficar sozinha. De ficar descalça. De sapatos coloridos. De observar a tartaruga. De poder chorar até soluçar. De dormir de coberta. De cochilar no sofá. De ler no metrô. De dormir enquanto o carro balança. De chorar num filme triste. De chorar de tanto rir. De comer flocos de coco doce. De achar dinheiro no bolso do casaco. De pipoca vermelha doce, aquelas que ficam grudadas. De arrancar lascas de tinta seca da parede. De raspar e lamber o brigadeiro que fica grudado na panela. De alho frito. De puxar os fiozinhos da banana quando a descasco. De observar a manteiga derreter sobre o pão quente. De ver a água secando quando se faz um castelo com pingos de areia da praia. De ouvir histórias de vida. De joaninhas e tatu-bola. De ver a lagartixa comendo mosquitos. De assistir desenhos. De sorvete de flocos. De chocolate amargo. De dar susto no gato. De arrancar casquinhas secas dos machucados. De tirar o sutiã. De me equilibrar na beirada da calçada. De imaginar como é sentir frio num dia em que está calor. De imaginar como é sentir calor num dia em que está frio.
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