segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Equações

Como mais um dia de todos os dias, sinto-me contra a parede.
Sei que não estou, mas sinto assim.

Como se todas as minhas opções em minha frente estivessem, mãos estendidas e dedos ligados,

mas alcançar eu não posso.

Como naqueles sonhos em que se corre, mas não sai do lugar, em que se quer agarrar o copo,

mas a mão o atravessa.

É isso que sinto.

Penso que talvez tenha escolhido o caminho errado naquela bifurcação que passou, mas como saberia o caminho certo se não opinasse?

Acreditei que ‘Todo lugar leva a algum lugar’
Mas deparei-me que todo lugar leva a algum lugar e eu sem senso de direção não sei para onde seguir.

Como sempre faço, espero. Sento. Durmo. Choro. Acordo.
Vestígios de você em mim.

Marquei na pele o dia do nosso encontro e o início de nosso desencontro.

Inalo odores que não imagino de onde vem, sinto um aperto no peito que sei que não é ali que dói.
O que dói não é meu coração, não é o meu corpo, o que dói é acreditar que a você entreguei meu coração, pulmão, fígado...

Desdobro-me em muitas para uma única ser. Uno-me para desvendar a multiplicação. Mas contas nunca foram meu forte.

Talvez esteja eu criando dízimas pensando que são porcentagens em uma equação sem x ou y.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Querer

Por qual razão se esconde?

E assim, sinto os poros de minha pele se abrirem como se tentassem sentir teu cheiro.
Meus pêlos se erguem como se quisessem lhe ver.


E assim se esconde.

Abaixo a cabeça e um sincero e tímido sorriso desperta. Sinto uma saudade que não existe.
A saudade do que não foi. Que simplesmente gostaria que tivesse acontecido.

Há quanto tempo?


Queria poder desejar, queria poder realizar, queria poder. Queria querer.

É só minha mente inventando pensamentos, ações que nunca existiram para minha mão mais uma vez tocar meu peito e sentir a saudade do que não tive.
Ou então ouvir um som baixo e calmo para instigar uma imagem que não sei qual é.
Gostaria de querer.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Vinte e oito

Inicia-se mais uma primavera, mais uma flor que nasce, mais uma vida que renasce, mais uma história que se foi e outra que começa a surgir.
E pensar que há vinte e oito anos nascia uma coisinha, que a esta hora certamente chorava, com frio e com saudade do calor da mãe.
Sim, sinto falta do calor, do abrigo de mãos macias, de beijos doces, de dedos que corriam sobre meus cabelos encaracolados, de lágrimas salgadas e de gritos amargos.

São vinte e oito anos de dias frios, dias quentes, dias chuvosos, ventanias...
São vinte e oito anos que causo preocupações, pensamentos, alegrias, choros, festas, palidez.
Não é sempre que se faz vinte e oito anos, vinte e sete, vinte e seis... Trinta.

Não é sempre que se faz.

E continuo a fazer coisas que já foram feitas, erros que já foram cometidos, acertos que duvidaram e crio dúvidas em erros acertados.
Continuo a questionar-me sobre coisas sem respostas, dos porque sim e porque não. Do, o que você faria se estivesse sozinha num deserto com uma lata sem abridor?
Continuo inventando respostas para as perguntas que não existem e continuo acreditando que as pessoas têm sentimento e que o mundo é colorido, que o sol nasce para todos e que Deus não dá asas a cobra.

Por mais que não acredite em Deus.

Acredito que tudo que é bom dura pouco e que vaso ruim não quebra.
Apesar de já ter quebrado muitos ossos ao longo desses vinte e oito anos.

Há vinte e oito anos os números me perseguem e minha vida continua sem a lógica.

Já tive quatorze, são vinte e oito e não sei quantos mais serão, mas tudo que desejo é continuar na incerteza de saber que eu sei de tudo.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Moedas

Estive relembrando umas de minhas situações mais engraçadas e embaraçosas.

Tínhamos uma pequena copiadora num bairro de São Bernardo do Campo, era a menor loja da rua em frente a faculdade.

Concorrência? Tínhamos muitas, mas paciência e dedicação superavam qualquer falta de estrutura que porventura viríamos a ter.

Não era o meu sonho de profissão, nem nunca havia sonhado em assumir tal posição em minha vida, mas, no entanto, foi uma das experiências mais gratificantes e que engrandeceram meu conhecimento social e que se quer um dia teria imaginado ter.

Por volta das nove horas da noite, tocava o sinal do intervalo e assim, alunos e professores desciam as escadas dos prédios e caminhavam rampa abaixo em direção ao grande portão que separava faculdade da realidade.
Do lado de fora, esperávamos ansiosamente por este momento, pois era quando mais tínhamos movimento e consequentemente, o instante com mais entrada em caixa.

Era final de semestre todos os alunos corriam para poder entregar seus trabalhos dentro do prazo, nós, corríamos para poder atender o maior número de clientes possíveis.

Corria de um lado para o outro, tirando cópia, encadernando, entregando canetas, lápis, borracha, papel milimetrado, grampeando, pegando o dinheiro, fazendo contas e devolvendo o troco, impressão, digitação e o arquivo do disquete que insistia em não querer abrir.

Colorido ou preto e branco?
Quer que corte?
Vai encadernar também?

Puxei a primeira gaveta da mesa de madeira onde ficavam as notas, moedas, cartões e mais uma porção de coisas.

A gaveta saiu na minha mão.

Eram moedas de um, cinco, dez, vinte e cinco, cinqüenta e um real que rolavam por aquele chão liso, claro e frio.

O que eu poderia fazer naquele momento?
Olhei rapidamente para a grande besteira que acabara de fazer, o chão forrado de circunferências douradas e prateadas e desatei-me a rir incansavelmente.

Mas não parei para recolher coisa alguma, comecei a passar por cima das coisas e quando chegava o momento de entregar o troco ao cliente, começava a olhar para o chão na procura de qual moeda deveria curvar-me e apanhar.
Fazia somas mentais de valores e os pegava ao chão.
Nunca havia sequer imaginado de um dia pisar sobre dinheiro, ou melhor, de ter o dinheiro aos meus pés.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Galinhas

Dia Frio, 14 de setembro, onze horas da manhã. Quase falta coragem de levantar da cama e enfrentar um espetáculo infantil. “Cocoricó, uma aventura no teatro”.

Ao som de três cacarejos abrem-se as vermelhas e aveludadas cortinas da grande sala do teatro no Shopping Frei Caneca da úmida manhã de São Paulo.

Impossível de acreditar, mas naquele momento senti algo molhar o meu rosto, quando percebi, uma lágrima corria e um singelo sorriso aparecia em meus lábios.

Nostalgia? Felicidade? Orgulho? Fantasia?

Agudas vozes de pequeninos adultos no palco, crianças esbravejavam na platéia, aplausos durante todo o tempo aconteciam. De repente:

-Júlio! Olha eu aqui! – gritou a pequena menina de longos e lisos cabelos negros.

Complicado imaginarmos o que se passaria naquele instante na mente daquela garotinha emocionada. Mais complicado ainda é imaginar, quando se não é mais uma garotinha.

Enquanto luzes caminhavam, girei minha cabeça e meus olhos acharam senhoras e senhores que riam e aplaudiam, confundindo-se às pequeninas criaturas que gritavam pela atenção das galinhas, ovos, cavalos, porquinho...Piu.
Percebi naquele momento que o tempo era inexistente, a idade...

O que é idade?

A mágica do riso igualou idades, sexos, cores, animais e pessoas.


E no penúltimo domingo de inverno, uma fazenda aconteceu no Centro de São Paulo, aqueceu e poetizou corações gelados de paulistanos apressados em mais um ano que insiste em querer passar.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Estrela



Ele me dava medo, mas sentia que tinha amor.
De longe sentia sua presença, de longe ouvia seu assobio.

Isso fazia com que corresse o mais rápido que pudesse.

Isso fazia com que pulasse, e com as pernas agarrava em sua cintura e assim me pegava no colo soltando uma gargalhada.

De pequena até minha adolescência, o que me lembro é da pele grossa de sua mão, com uma saliência no dedo indicador e unhas limpas.
Embora soubesse que éramos tão diferentes, sentia as persistentes semelhanças nos traços de nossas mãos.
Temperamentos e marcas na pele. Eu me lembro, por isso sinto tanta saudade.

Meu pai não tinha cheiro, muitos achavam que sentimento talvez não tivesse, passava sensação de indiferença.
Não era muito alto, mas aparentava ser bem maior. Era bravo, era engraçado. Era meu pai.

Os óculos grandes demonstravam uma necessidade de ver além, de tudo saber. Fisicamente, sua cabeça era bem grande, mas não era maior que seu coração.
Foi a pessoa mais ausente na presença que já conheci. Com as ações mais contraditórias ao que dizia.

Acordava-nos todas as manhãs, colocava o café sobre a mesa, e por mais que dizia que eu queria chá, lá estava o chá, o café, o leite e o suco.
Bolachas com manteiga sobre o pires.
E o lanche... Empacotado em saquinhos brancos que cuidadosamente tirava o ar criando o vácuo, e assim, selava.

Esqueceu-me algumas vezes na escola, mas lembro-me com carinho dele parado ao portão de casa, acenando até que a perua da escola sumisse ao virar da esquina.

O carinho mais frio que aquecia meu coração.

Dizia ser ateu, mas sempre foi ver-nos cantar no coral da igreja.
Carregava-me nas costas. Abraços carentes de bom dia. Esconde-esconde com o gato amarelo.
Bacias e bacias de salada no sofá da sala de frente a tevê. Segurança, rigidez e amizade.
Chocolates e iogurte. Tanjal. Caldinho da sopa. Groselha com gás.

Meu pai era daqueles caras que concertava tudo, concertava até um coração partido com um sorriso sincero, uma bronca bem dada sem nem se quer emitir qualquer som.

Fazia surpresas, churrasco, dormia na piscina.

Era difícil falar-lhe, sempre lendo, vendo, consertando...
Cedia seu casaco nos dias de frio, chamava-me para tomar um ‘trem’ no bar.
Foram tantos pequenos gestos grandiosos que hoje, faz-me pensar na rigidez dos meus atos, que amolecem meu coração e assim escorrem lágrimas de saudade do colo que tantas vezes me acolheu mesmo sem que eu percebesse.

Vejo partes de mim se transformando aos poucos em pequenos pedaços de meu pai. Vejo também, minha avó sorrindo e rezando todos os dias, com um olhar menos brilhante.

Ele era assim e agora é estrela.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Hã?

Como poderia saber se sou se nem ao menos sei quem sou?
A cada dia uma personalidade se define, a cada dia me surpreendo com a nova pessoa atrás da porta, no espelho do quarto.
Se me perguntassem diretamente se sou criativa e se tivesse que responder se sim ou se não, com certeza a resposta seria sim.
Como não ser criativo nesse mundo de:

-Meu Deus me socorra!

Como não seria criativa se a cada dia crescemos mais e novos problemas surgem e novas respostas dadas a eles precisam ser feitas?

A criatividade é e somente é. Não pode estar.

Pode de certa forma até soar estranho, mas é como se paríssemos aquilo que sempre esteve com a gente. Como se paríssemos a nós mesmos. Não há uma gestação precisa, onde esperamos que a criatura nasça após certo tempo, onde podemos fazer planos para que ocorra tudo bem.

Ainda não é possível fazer um pré-natal com segurança.

A criatura que somos se transforma, se acha e se perde, nasce cresce, evolui e morre. E nasce de novo. Feitos e refeitos a todo instante, conceitos que transformam, mudanças físicas e psíquicas. Como saber o que é realidade e o que é imaginação, quantas vezes não criamos respostas que gostaríamos que fossem reais?

E os sonhos?
Como tudo aquilo foi parar dentro da minha cabeça?

De sempre pra sempre


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quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Meias

Talvez o maior temor esteja no esperar a morte. E corres sem parar para ter o tempo de fazer tudo.
Porque acredita que o mais ínfimo milésimo de segundo é sagrado. E esqueces que o sagrado está no instante, na sabedoria, no prazer e na paciência.


Mas o que fazer quando a falta da paciência é o seu maior defeito?
A ansiedade, o entusiasmo, a alegria, o agora!

Não sei, não tenho respostas. Acho que o ‘não sei’ é a frase que mais uso em minhas respostas. Tudo eu não sei, nada eu não sei.

Sei que quando muito ansiosa, vejo que meus nervos e pensamentos agem mais rápido que meu corpo suporta e assim, ele dorme.
Meu corpo dorme profundamente, insônia nunca foi um problema para mim.
Aliás, a sonia é quem me persegue.

Tem vezes que temo ter dormido demais e ter deixado de fazer certas coisas, mas não sou ninguém. E sou ninguém negativo quando não durmo.


De noite sinto frio, mesmo no verão. Não gosto de dormir de meias.
Meias inteiras às vezes fazem falta.
De lã, algodão ou de linho.

Sei que terei muito tempo para dormir quando morrer, mas quando será o dia da minha morte?
E se eu não descansar o suficiente para viver?
E se eu estiver dormindo quando morrer?
E se eu estiver dormindo durante a vida?

E se eu viver?

Não sei, tenho paciência, mas sou ansiosa. Sou tolerante, mas perco a razão.

Eu corri, corro e acredito continuar correndo contra e a favor do tempo, mas durmo.
Por que acreditaria na paz e no amor se não acredito nos seres humanos?

Espero, desejo, acredito e me decepciono.
Desacredito, desespero e tenho ânsia, mas sonho. Estafa.
Pinto os cabelos por vaidade, combino cores, mas por vezes minha razão esfregou em meus olhos que o mundo é daltônico.

Durante o dia carrego sempre um casaco temendo sentir frio, um guarda-chuva para caso chova, uma presilha de cabelo caso sinta calor no pescoço, água caso sinta sede, papel e caneta caso tenha uma boa idéia, escova de dentes e pasta caso tenha que fazer minha higiene bucal, espelho...
Se pudesse, carregaria todas as pessoas que gosto caso sinta saudades, cama caso sinta sono, chinelos, meias caso sinta frio.

Mas meias é sempre a metade do que gostaria que fosse inteiro. Não carrego o inteiro, porque sou sempre a metade. Sou apenas pedaços.
Deixamos sempre pedaços de nós por onde andamos, corremos, falamos, pensamos, limpamos, sujamos. Gosto de ser metade, de deixar metades e de carregar metades. Assim sonho com o inteiro.
Nem quando nascemos somos inteiros. Ficamos metade preso a nossas mães. Quando morremos, deixamos metades nas pessoas que ficaram vivendo.
Talvez não tema que sinta temor por morrer ou por viver. Porque meu temor é apenas a metade.
Então vou comprar pão.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Nadar

Meu maior medo quando iniciei minhas idas a São Paulo de carro era derrubar um motoqueiro pelo caminho. No início até me espremia dentro do carro imaginando que mudaria alguma coisa do lado de fora.

Mas esse reflexo passou com o tempo.

Contabilizei que cerca de duas vezes por semana vejo pelo menos um motoqueiro caído pelo caminho.
Esse dado me fez mais uma vez pensar sobre a vida e consequentemente sobre a morte. Vou dividir parte desse pensamento aqui.

Quantas vezes você não deixou o melhor pedaço do que comia por último para poder saboreá-lo com mais lentidão, prazer e cuidado?
A roupa que comprou para usar em uma ocasião extremamente especial. Ou mesmo aquela calça que reservou em um canto do guarda-roupa esperando que ela lhe sirva por pelo menos mais um dia.
Os planos de fazer a poupança e poder comprar o velho sonho da casa própria.
O carro ao completar 18 anos.
A declaração de amor que não teve coragem de fazer. O abraço que não deu esperando o momento certo para efetuar de fato a troca de energias.
O telefonema para dizer simplesmente que sente saudades.
Ouvir mais uma vez a voz que por tantas vezes lhe deu alegria.
Sentir o cheiro do perfume do travesseiro da sua cama. Ver o olhar da pessoa amada.
Ir ao cinema ver o filme que esperava tanto pela estréia.
Limpar o banheiro. Trocar a lâmpada da sala. Passar a camisa amarrotada que está sobre o sofá da sala, a louça do café da manhã suja na pia. A janela que esqueceu de fechar e deu no jornal da televisão que vai chover ao final da tarde.
Tomar a cervejinha que combinou com os velhos amigos e que ficaram anos sem se encontrar.
Tomar vacina. Pintar o cabelo. Fazer a barba. Depilar a virilha.

E de repente morre. Como assim?

Correu tanto para dar tempo de passar na padaria e levar o pão quentinho pra casa e morre?
Não viu o final da novela das oito!
Não disse para o seu filho que deveria comer verduras.
Não o ensinou a amarrar os sapatos ainda.
Quanto vale a vida? Quanto vale deixar para depois? Quanto vale correr o tempo inteiro e não fazer as refeições? Quanto vale deixar de cortar o cabelo, ou usar meia calça azul porque achou que os outros iam te achar estranho, mas que a você ia dar muito prazer?

Quanto vale?

Vale?

Pra que correr se nem ao menos podes viver? Pra que pensar se nem ao menos podes opinar? Não tens opinião?

E pensar que não aprendeu a nadar porque teve medo de se afogar. Agora nada contra o tempo ou nem se quer nada mais. Nada.