terça-feira, 2 de setembro de 2008

Nadar

Meu maior medo quando iniciei minhas idas a São Paulo de carro era derrubar um motoqueiro pelo caminho. No início até me espremia dentro do carro imaginando que mudaria alguma coisa do lado de fora.

Mas esse reflexo passou com o tempo.

Contabilizei que cerca de duas vezes por semana vejo pelo menos um motoqueiro caído pelo caminho.
Esse dado me fez mais uma vez pensar sobre a vida e consequentemente sobre a morte. Vou dividir parte desse pensamento aqui.

Quantas vezes você não deixou o melhor pedaço do que comia por último para poder saboreá-lo com mais lentidão, prazer e cuidado?
A roupa que comprou para usar em uma ocasião extremamente especial. Ou mesmo aquela calça que reservou em um canto do guarda-roupa esperando que ela lhe sirva por pelo menos mais um dia.
Os planos de fazer a poupança e poder comprar o velho sonho da casa própria.
O carro ao completar 18 anos.
A declaração de amor que não teve coragem de fazer. O abraço que não deu esperando o momento certo para efetuar de fato a troca de energias.
O telefonema para dizer simplesmente que sente saudades.
Ouvir mais uma vez a voz que por tantas vezes lhe deu alegria.
Sentir o cheiro do perfume do travesseiro da sua cama. Ver o olhar da pessoa amada.
Ir ao cinema ver o filme que esperava tanto pela estréia.
Limpar o banheiro. Trocar a lâmpada da sala. Passar a camisa amarrotada que está sobre o sofá da sala, a louça do café da manhã suja na pia. A janela que esqueceu de fechar e deu no jornal da televisão que vai chover ao final da tarde.
Tomar a cervejinha que combinou com os velhos amigos e que ficaram anos sem se encontrar.
Tomar vacina. Pintar o cabelo. Fazer a barba. Depilar a virilha.

E de repente morre. Como assim?

Correu tanto para dar tempo de passar na padaria e levar o pão quentinho pra casa e morre?
Não viu o final da novela das oito!
Não disse para o seu filho que deveria comer verduras.
Não o ensinou a amarrar os sapatos ainda.
Quanto vale a vida? Quanto vale deixar para depois? Quanto vale correr o tempo inteiro e não fazer as refeições? Quanto vale deixar de cortar o cabelo, ou usar meia calça azul porque achou que os outros iam te achar estranho, mas que a você ia dar muito prazer?

Quanto vale?

Vale?

Pra que correr se nem ao menos podes viver? Pra que pensar se nem ao menos podes opinar? Não tens opinião?

E pensar que não aprendeu a nadar porque teve medo de se afogar. Agora nada contra o tempo ou nem se quer nada mais. Nada.

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